01/04/2008

Para uma menina com uma flor

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Porque você é uma menina com uma flor e tem uma voz que não sai, eu lhe prometo amor eterno, salvo se você bater pino, o que, aliás, você não vai nunca porque você acorda tarde, tem um ar recuado e gosta de brigadeiro: quero dizer, o doce feito com leite condensado.

E porque você é uma menina com uma flor e chorou na estação de Roma porque nossas malas seguiram sozinhas para Paris e você ficou morrendo de pena delas partindo assim no meio de todas aquelas malas estrangeiras. E porque você sonha que eu estou passando você para trás, transfere sua d.d.c. para o meu cotidiano, e implica comigo o dia inteiro como se eu tivesse culpa de você ser assim tão subliminar. E porque quando você começou a gostar de mim procurava saber por todos os modos com que camisa esporte eu ia sair para fazer mimetismo de amor, se vestindo parecido. E porque você tem um rosto que está sempre um nicho, mesmo quando põe o cabelo para cima, parecendo uma santa moderna, e anda lento, e fala em 33 rotações mas sem ficar chata. E porque você é uma menina com uma flor, eu lhe predigo muitos anos de felicidade, pelo menos até eu ficar velho: mas só quando eu der uma paradinha marota para olhar para trás, aí você pode se mandar, eu compreendo.

E porque você é uma menina com uma flor e tem um andar de pajem medieval; e porque você quando canta nem um mosquito ouve a sua voz, e você desafina lindo e logo conserta, e às vezes acorda no meio da noite e fica cantando feito uma maluca. E porque você tem um ursinho chamado Nounouse e fala mal de mim para ele, e ele escuta e não concorda porque ele é muito meu chapa, e quando você se sente perdida e sozinha no mundo você se deita agarrada com ele e chora feito uma boba fazendo um bico deste tamanho. E porque você é uma menina que não pisca nunca e seus olhos foram feitos na primeira noite da Criação, e você é capaz de ficar me olhando horas. E porque você é uma menina que tem medo de ver a Cara-na-Vidraça, e quando eu olho você muito tempo você vai ficando nervosa até eu dizer que estou brincando. E porque você é uma menina com uma flor e cativou meu coração e adora purê de batata, eu lhe peço que me sagre seu Constante e Fiel Cavalheiro.

E sendo você uma menina com uma flor, eu lhe peço também que nunca mais me deixe sozinho, como nesse último mês em Paris; fica tudo uma rua silenciosa e escura que não vai dar em lugar nenhum; os móveis ficam parados me olhando com pena; é um vazio tão grande que as mulheres nem ousam me amar porque dariam tudo para ter um poeta penando assim por elas, a mão no queixo, a perna cruzada triste e aquele olhar que não vê. E porque você é a única menina com uma flor que eu conheço, eu escrevi uma canção tão bonita para você, Minha namorada, a fim de que, quando eu morrer, você, se por acaso não morrer também, fique deitadinha abraçada com Nounouse cantando sem voz aquele pedaço que eu digo que você "tem de ser a estrela derradeira, minha amiga e companheira, no infinito de nós dois".

E já que você é uma menina com uma flor e eu estou vendo você subir agora - tão purinha entre as marias-sem-vergonha - a ladeira que traz ao nosso chalé, aqui nessas montanhas recortadas pela mão de Guignard; e o meu coração, como quando você me disse que me amava, põe-se a bater cada vez mais depressa. E porque eu me levanto para recolher você no meu abraço, e o mato à nossa volta se faz murmuroso e se enche de vaga-lumes enquanto a noite desce com seus segredos, suas mortes, seus espantos - eu sei, ah, eu sei que o meu amor por você é feito de todos os amores que eu já tive, e você é a filha dileta de todas as mulheres que eu amei; e que todas as mulheres que eu amei, como tristes estátuas ao longo da aléia de um jardim noturno, foram passando você de mão em mão até mim, cuspindo no seu rosto e enfrentando a sua fronte de grinaldas; foram passando você até mim entre cantos, súplicas e vociferações - porque você é linda, porque você é meiga e sobretudo porque você é uma menina com uma flor.


Vinícius de Moraes.

29/01/2008

Carta para alguém bem perto II

=)

"Porque tudo que tem feito em sua vida é assim, meia-boca, empurrado com a barriga. Outro dia, deu-se conta da gravidade de sua apatia, tomando um suco de laranja. Numa lanchonete de esquina. Nunca havia ido naquele lugar antes, mas quis tomar um suco. De repente. Ela desejou fortemente a juventude de tomar suco no canudinho. Parou em fila dupla, deixou o pisca-alerta ligado como explicação. Chegou no balcão, pediu seu suco, quase sorrindo. De laranja. Sem açúcar. Deu um primeiro gole e olhou ao redor. Viu outras pessoas bebendo sucos. Algumas tomando cafés; a maioria, coca-colas. Ariana ficou algum tempo desse jeito: observando os próximos, bastante impressionada, um tanto quanto chocada. Chocada por não ter com o que se chocar. Ninguém ali sequer atraía sua curiosidade. Ninguém tinha o cabelo cortado de forma estranha, ou um casaco no dia quente que fazia, ou um piercing no nariz. Não viu um casal se beijando, nem duas lésbicas disfarçando olhares escusos. Não achou nenhum menininho de sete anos com jeitinho de bicha. E este mundo apático era o mundo apático em que ela vivia. Ainda é, aliás. Só que, agora, ela sabe que não quer mais nada disso. Não quer entrar num lugar e encontrar só respeito. Somente respeito. Ela não agüenta mais ver a filha falando que cigarros fazem mal à saúde. Que não suporta maconheiros. Não pode escutar nenhum outro comentário a respeito da importância do autoconhecimento ou do amplo debate democrático. Ela quer um ruído. Um estrondo. Um!... Quer viver sua vida com trilha sonora de uma banda de metaleiros adolescentes. De um negão cantando rap. Sempre teve pavor da idéia de tornar-se uma dessas mulheres que morrem de medo dos avanços dos costumes. Que se dizem horrorizadas com a juventude de hoje em dia. Ariana não quer acabar como a mãe, que achava que mulher de tatuagem era vagabunda e homem de brinco era pederasta. E achava porque, na sua época – gente como a mãe de Ariana teve época e, ainda estando viva, deixou de ter -, isso não existia. Aí, quando a revolução sexual invadiu sua privacidade disfarçada de mídia, ela passou a dizer sandices do gênero: se a minha filha casar com homem de cabelo comprido, eu morro. Se a minha filha fizer um aborto, eu me mato, Se a minha filha for sapatão, ih, eu nem sei. Não teve uma alma caridosa para chegar perto e dizer: minha senhora, o mundo mudou; mudará sempre. Não existe certo, existem eras. O mundo já acreditou que ser gordo era ser saudável e abastado, e que ser magro era o contrário. Hoje, gordos são doentes relaxados e magros são chiques. Tomar banho já foi coisa de pobre. Banhar-se era pra doentes. O mundo, minha senhora, não é somente aquilo em que você acredita. Não é apenas o que a senhora vê. Nem é aquilo que disseram para a senhora que é. O mundo é bem maior que essa sua cabecinha. Guarde, portanto, suas tolices para a senhora mesmo, ou não vai ganhar sopa por uma semana. Mas ninguém falou essas coisas para a velha e ela morreu esclerosada. Na família de Ariana, todas as mulheres morrem esclerosadas. Porque ninguém avisa às coitadas que elas estão falando merda, pensando merda e fedendo a merda. Ariana devia ter chegado para a mãe e explicando que, número 1, a virgindade não passa de uma película problemática, número 2, aos 13 anos, temendo perder-se com um homem que não a amasse, temendo ser abandonada na noite de núpcias quando o futuro noivo descobrisse que era uma perdida, ela enficou o dedo na vagina para acabar com a questão, e número 3, fez isso por vários dias, até que tivesse a certeza de que nada mais a impediria de ser livre – na época, a liberdade estava dançando discoteque e uma calça de lamê prateada poderia realçar um cabaço. Só que a mãe dela não soube de nada disso. O erro de Ariana, que agora ela percebe e paga seu preço, foi ter sido uma libertária sem que ninguém soubesse. Os pais foram defuntos de consciência tranqüila, convictos de terem oferecido à filhinha uma criação exemplar, afinal haviam assistido à cerimônia do casamento da sua princesa virginal com um bom rapaz. Rapaz de posses. Sequer desconfiaram das intenções de Ariana e Rodolfo. Que se casaram sem pensar no que estavam fazendo. O plano era vender todos os presentes e ir para a Europa. Estavam apaixonados, fariam qualquer negócio para viver livremente; e o casamento veio a calhar. Não contavam que, de repente, encenações amanhecem como puras verdades. E um dia acordaram com o sacramento do matrimônio concretizado. Ariana tornava-se, enfim, uma verdadeira fecunda. Então ela fez o melhor que pôde; agarrou-se à gestação como se aquele feto, uma vez crescido, fosse a garantia de que nunca se tornaria uma velha esclerosada. Se algum dia Ariana se chocasse com alguma situação do mundo, o feto lhe diria: mamãe, os tempos mudaram. Hoje nós somos assim, e é perfeitamente normal ser desse jeito. Acontece que uma vingança já estava a caminho. Praga de mãe, mãe que nunca se conformou em ter uma filha que tatuou no corpo uma música dos Beatles. Pois Ariana tem escrito na barriga, logo acima do púbis: All you need is love. E a lei do retorno – mais um decreto tirano do destino – vingou essa maternidade ultrajada, fazendo de Daniela, o feto, uma mocinha preconceituosa e conservadora. Agora, Ariana está aí, chocada, e não tem ninguém que a ridicularize. Ela está chocada porque o mundo mudou. O mundo andou pra trás.

Chupando suco de laranja pelo canudinho, no balcão de uma lanchonete, Ariana viu uma coisa horrorosa. Viu a sociedade atual brindar o seu conformismo com cafezinhos e refrigerantes. Pagou a conta. Pegou o carro e seguiu até a praça Benedito Calixto, onde, ela já sabia, tinha uma loja de tatuagens. Entrou naquele recinto estranho decidida. Paredes todas pretas, com desenhos de caveiras e monstros musculosos. Achou o rock que tocava no som um pouco pesado, mas sentiu-se à vontade. Encomendou que lhe tatuassem nas costas, logo em cima da bunda, fuck off. E o esquisito não foi esta atitude ter sido tomada por uma mulher com mais de 30 anos. Nem aquilo que resolveu escrever em seu corpo. A esquisitice-mor foi ninguém ter percebido. Rodolfo não olha para pedaços de sua esposa enquanto enseja futucadas sobre ela. Daniela mal sabe qual q a cor dos olhos da mãe. E com mais esta resposta sem resposta ao seu protesto, outra vez Ariana rebelou-se toda sem ter público algum para escandalizar."



Fernanda Young.

14/01/2008

O sertão é dentro da gente


Tudo fica mais bonito você estando perto
Você me levou ao delírio por isso eu confesso
Os seus beijos são ardentes
Quando você se aproxima o meu corpo sente
ah ah ah ô ô
ah ah ah ô ô
Vem pra cá deusa do amor

Veja o afro Olodum ao passar na avenida
Todos cantando felizes de bem com a vida
Caminhando lado a lado formamos um belo casal
Somos dois namorados

No swingue dessa banda
Balanço mais forte
Alicerce que tem nesse mundo
O cupido me flechou Au que dor
Foi no afro Olodum que encontrei meu amor

ah ah ah ô ô
Vem pra cá deusa do amor